Já alguma vez reparou como, sem darmos verdadeiramente por isso, acabamos numa coreografia quase perfeita ditada por algum algoritmo? Acordamos, pegamos no telemóvel e somos recebidos por um conjunto de publicações, anúncios e sugestões tão meticulosamente escolhidos que até poderíamos pensar que sabem o que pensamos, vivemos ou queremos no dia-a-dia (!).
Mas será que, no fundo, somos nós a mexer os fios da vida1 das plataformas digitais… ou são elas (e o seu algoritmo) que nos manipulam a nós?
Quando o feed nos trai
Numa destas tardes, uma grande amiga com quem partilhamos um espaço de trabalho (sim, que isso de trabalhar a partir de casa é tão 2020!) decidiu partilhar no seu perfil de Instagram, uma fotografia da Ria Formosa, acompanhada de um pequeno texto sobre design de interiores ligado ao uso de materiais orgânicos. Esperou pelos habituais gostos e comentários, mas recebeu apenas algumas notificações esparsas. Como trabalhamos frente a frente, ela comentou o sucedido connosco e o seu espanto. Ora, sendo nós como somos, fomos espreitar e verificámos que a dita publicação alcançara apenas uma fração do público que alcançava normalmente, sem qualquer aviso prévio. Mas porquê?
As plataformas sociais privilegiam conteúdos que gerem reação imediata: se um post não acumula um determinado número de Likes ou comentários nas primeiras horas, o algoritmo reduz automaticamente o seu alcance, limitando-o a círculos mais restritos. Cada interação nossa – seja um “gosto”, um comentário, uma partilha – serve de gatilho para aumentar a visibilidade, mas a ausência delas freia a distribuição. E assim, acabamos por influenciar involuntariamente o que vemos e o que mostramos.
FOMO em versão mediterrânica
Viver e trabalhar no Algarve tem muito de comunidade mediterrânica: cafés onde se cumprimenta toda a gente, mercados cheios de calores e contactos humanos e um “desenrasca” quase ancestral que nos define. Contudo, este mesmo espírito, quando transportado para o digital, alimenta o tão famigerado FOMO (Fear of Missing Out).
A nossa amiga a Rita, que dá aulas de surf em Sagres, contou-nos que há dias acordou com 15 mensagens no WhatsApp: “Vi-te no story do Scott a apanhar ondas de madrugada e não sabia!” (só para clarificar, o Scott é um aluno dela que começou há pouco a praticar este desporto). Era uma publicação algo algorítmica, empurrada pela geolocalização e pelo elevado número de interações que recebeu logo pela manhã. Resultado? Turistas madrugadores «bateram-lhe à porta» às 7h30 e nem sequer tinham aulas marcadas! Uma bênção ou uma maldição? Bem, depende de como olharmos para a coisa: no fim do mês traduziu-se em pranchas alugadas e aulas extra dadas, mas para gerir tudo sem desesperar foi preciso… desenrascar.
E tudo porquê? Exatamente por causa do tão falado FOMO (que significa Fear of Missing Out, ou seja, o medo de ficar de fora, de estar a perder algo) que basicamente é o sentimento ansioso que temos de que os outros podem estar a ter experiências gratificantes que nós estamos a perder. Escusado será dizer que isto pode levar a um desejo de estar continuamente ligado ao que os outros estão a fazer, especialmente através das redes sociais.
Marionetas do engagement
Quando pensarmos em “marionetas digitais”, a ideia não é, de todo, conspirativa. Trata-se de compreender que cada “gosto” que fazemos e cada story que vemos reforça padrões em loop. O TikTok, por exemplo, mede o tempo que passamos a ver um vídeo e até o nosso ritmo de scroll com o polegar para decidir o que nos mostrar a seguir.
Imagine isto como se de um teatrinho de fantoches se tratasse: somos o público, mas também as marionetas. E o palco? É o nosso feed nas redes sociais. Cada puxão de fio (um Like, um comentário, um clique num link) faz a peça avançar ou recuar. Numa espécie de case study nosso improvisado em Tavira, um pequeno restaurante local notou que, sempre que partilhava num post uma novidade do seu menu, havia um pico de reservas nas seis horas seguintes, mas só se incluísse um emoji 🍽️ no texto. Sem o emoji, o algoritmo dava prioridade a posts com maior duração de exibição por parte dos utilizadores. Pequeninas nuances que, traduzidas em número de reservas, faziam toda a diferença.
Quando desconectarmo-nos é um reequilíbrio
Se os fios digitais nos movem, desligá-los pontualmente faz-nos voltar à responsabilidade de sermos nós, e não o algoritmo, a puxá-los. Em alguns concelhos do Algarve, há já quem promova o “Dia Sem Ecrãs” nas escolas e ATLs e noutros locais há quem aconselhe as pessoas a estabelecer um “ritual detox” à hora de almoço: sem telemóvel, só com um bom prato de arroz de tamboril e uma conversa com amigos ou colegas de trabalho.
No fundo, é tudo uma questão de encontramos um equilíbrio entre o mundo digital e o real. Mas nos tempos que correm, isto é mais facilmente dito que feito, certo? Uma sugestão prática? Escolha um período do dia (por exemplo, das 13h00 às 14h00) em que silencia as notificações e se concentra no contacto real: um telefonema a um familiar ou amigo, sem uma razão específica; uma volta pela baixa ou pelo centro histórico da cidade ou, simplesmente, observar a nossa Ria Formosa, que está ali sempre ao nosso lado, mas que tão poucas vezes olhamos só para a ver. Experimente e verá que volta a sentir que é você quem decide o “mexer dos fios” e não a tecnologia.
Negócios locais: domar o algoritmo sem perder a alma
Para os pequenos negócios, entender estes “fios invisíveis” é crucial. Não basta estar online; é preciso saber como estar. A D. Natália, a tal senhora da banca das verduras de que falámos num dos nossos primeiros artigos, aprendeu recentemente que partilhar um story de bastidores – ela a selecionar as melhores courgettes para o dia – gera mais interações do que um post impecavelmente organizado com fotos profissionais. É o encanto da autenticidade algarvia a vencer o algoritmo.
Quanto às campanhas pagas, nem sempre o maior investimento ganha. O segredo está em segmentar bem o público (por localidade, comportamentos, interesses e até horários de maior atividade online, que consegue saber através das estatísticas das suas páginas/perfis nas redes sociais) e em ajustar os conteúdos de acordo com a reação dos utilizadores. É quase como regar plantas: se virmos que uma delas recebe mais luz (Likes) com determinada abordagem (vídeo curto, texto informal, perguntas, etc.), continuamos nessa linha. Mas sempre sem esquecer a nossa voz, pois querer parecer algures no mundo digital o que não somos na vida real, será no mínimo desconfortável e soará sempre a falso (mesmo que não o identifiquemos conscientemente como tal).
O último fio: o nosso livre-arbítrio
No fim das contas, as marionetas só se mexem se permitirmos que os seus fios sejam “manipulados” (e sim, o uso do duplo significado desta palavra aqui é completamente intencional!). Podemos e devemos questionar o que nos aparece nas redes sociais, limitar o tempo de exposição e optar por conteúdos que nos façam sentir mais próximos dos nossos valores. Um feed escrutinado, consciente e ponderado é o antídoto para a manipulação (veem?!) inconsciente.
E se, por exemplo, antes de clicar em “Seguir” numa nova conta, nos questionássemos “isto acrescenta algo à minha vida?”; ou antes de dar um “Like”, parássemos um segundo para perceber se o post fala efetivamente connosco em vez de ser só mais um reflexo do que o algoritmo quer ver em nós? Atingiríamos um estado de consciência superior e passaríamos a ser uns seres iluminados? Nem por sombras! Mas talvez fossemos mais conscientes daquilo que as redes sociais pretendem e sobretudo mais responsáveis com o nosso papel em cada uma delas.
Somos, sim, marionetas interligadas a plataformas que querem maximizar o nosso tempo de ecrã. Mas tal como quem manipula as marionetas no teatro, temos sempre a capacidade – e a responsabilidade – de puxar ou cortar os fios que nos limitam.
Experimente puxar os seus próprios fios digitais durante o resto desta semana e veja como se sente!
1 Terá sido na Ásia que surgiram as primeiras marionetas, embora não se saiba ao certo se na China, na Índia ou na Indonésia. Na Birmânia as marionetas de fios tiveram uma importância muito grande, principalmente nos palácios e o seu movimento tem de imitar o dos seres humanos. São necessários muitos fios para o fazer e há fios mais importantes que outros. Os fios da vida são os que suportam o peso da marioneta e que ajudam a que imite o movimento da respiração.
(fonte: Museu da Marioneta – www.museudamarioneta.pt)